David Graeber e o (neo)anarquismo

David Graeber (1961-2020)


O meu problema com (neo)anarquistas como Graeber, a que pese a admiração por obras como Dívida e O despertar de tudo, é que suas reflexões tendem a negligenciar a contribuição do anarquismo histórico, ou de pelo menos de alguns dos seus autores, como, por exemplo, Proudhon.

O quarto capítulo de O despertar..., livro co-escrito com o arqueólogo David Wengrow, é uma brilhante reflexão sobre a origem da propriedade privada. 

São problematizados argumentos iluministas e antropológicos clássicos, a partir de evidências arqueológicas recentes sobre a relação entre igualdade e propriedade na história humana. 

Porém, o operário-intelectual francês Proudhon não é mencionado no capítulo e em nenhuma das 847 paginas do livro quando o tema é a propriedade e sua relação com a igualdade, a liberdade e o governo. 

Estes foram temas ousadamente trabalhados em O que é a propriedade, de 1840. Na época, o livro de Proudhon chocou a França sendo debatido. Tornou-se obra importante da tradição socialista, tendo influenciado Marx e Bakunin.

Se Graeber fosse um intelectual marxista, eu não veria problema em sua negligência da reflexão proudhoniana, mas, ele não é. 

O que mais me causa estranhamento é o rebelde francês não ser sequer mencionado nas notas de rodapé que abundam no livro de Graeber e Wengrow.

Contudo, essa negligência é corriqueira.

Recentemente, participei de uma conferência internacional sobre estudos anarquistas, e a maioria dos trabalhos apresentados negligenciavam o anarquismo histórico.

Talvez isso dimensione como o pós-anarquismo significa um afastamento ou abandono dos referenciais teóricos do anarquismo histórico. E que tende a cair no erro de "reinventar a roda" ao invés de aprimorá-la.

Ao que pese a crítica, continuo achando o trabalho de David Graeber um sopro de ar fresco nas ciências sociais contemporâneas. E um poderoso exercício de imaginação política numa época de crise do capitalismo, do Estado e do pensamento revolucionário. 

Raphael Cruz


Referências

GRAEBER, David. Dívida: os primeiros 5000 anos. São Paulo: Três Estrelas, 2016.

GRAEBER, David; WENGROW, David. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975.

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