Proudhon e a economia política como ciência social



Proudhon (1809-1865)



Em 1846, foi publicado na França, Sistema das contradições econômicas ou Filosofia da miséria, de Pierre-Joseph Proudhon. 

Nesta postagem, trago a definição de Proudhon para ciência social contida naquela obra.

Como o leitor poderá constatar, ela antecipa teses durkheimianas importantes como a racionalidade e sistematicidade a ser alcançada no estudo da sociedade.

Outro ponto de similaridade é a importância dada ao trabalho como objeto de investigação para entender a sociedade, recurso utilizado por Durkheim 47 anos depois, em seu livro A divisão social do trabalho (1893).

DEFINIÇÃO DE CIÊNCIA SOCIAL

Dito isso, vejamos algumas passagens do livro de Proudhon em que ele define a ciência social:

"Trata-se, portanto, e antes de mais nada, de reconhecer o que pode ser uma ciência da sociedade.

A ciência, em geral, é o conhecimento racional e sistemático daquilo que é.

Aplicando esta noção fundamental à sociedade, diremos: a ciência social é o conhecimento racional e sistemático não do que foi a sociedade, nem do que ela será, mas sim do que ela é em toda a sua vida, isto é, no conjunto de suas manifestações sucessivas, pois é somente ai que pode existir razão e sistema. A ciência social deve abraçar a ordem humanitária e não apenas em tal ou qual período de sua duração, nem em alguns de seus elementos, mas sim em todos os seus princípios e na integridade de sua existência, como se a evolução social, espalhada no tempo e no espaço, se encontrasse subitamente reunida e fixada em um quadro que, mostrando a série das idades e a sequência dos fenômenos, descobrisse o seu encadeamento e unidade. Tal deve ser a ciência de toda a realidade viva e progressiva, tal é incontestavelmente a ciência social" (Proudhon, 2003, p. 96). 

Proudhon inicia sua definição de ciência social pela explicação do que é a própria ciência em sentido lato

A ciência comporta características epistemológicas (racionalidade), metodológicas (sistematicidade) e ontológicas (factualidade). 

Esses três caracteres são aplicadas ao conhecimento da sociedade (objeto). 

Assim, a sociedade ou a "ordem humanitária" - Durkheim, posteriormente, nomearia de "reino social" - é passível de ser compreendida de maneira científica. Isto é, racional, sistemática e factualmente como fenômeno humano. 

Isso parece simplista para os ouvidos de um estudante de sociologia do século XXI.

Entretanto, quando Proudhon escrevia aquele livro, era necessária à perspectiva científica estabelecer distinção com a metafísica. 

Elevar a "ordem humanitária" a objeto de ciência foi, assim, um desses atos inauguradores de uma ciência da sociedade, tanto quanto a invenção da palavra sociologia por Auguste Comte na década de 1830, e a publicação em 1838 de Como observar morais e costumes, de Harriet Martineau, que inventou o trabalho de campo sociológico.

ECONOMIA POLÍTICA COMO A CIÊNCIA SOCIAL

Proudhon (2003) concebia a economia política como a verdadeira ciência social. 

"Quanto a mim, não é desta forma que concebo a ciência econômica, a verdadeira ciência social. Ao invés de responder pelos a priori aos temíveis problemas de organização do trabalho e de distribuição das riquezas, eu interrogarei a economia política como a depositária dos pensamentos secretos da humanidade; farei os fatos falarem segundo a ordem de sua geração, e relatarei, sem nada acrescentar de meu, o seu testemunho" (Proudhon, 2003, p. 176). 

Pode-se extrair três afirmações desse parágrafo de Sistema das contradições econômicas:

1) A economia política é a ciência social.

2) Ela trata de "problemas" como a "organização do trabalho" e a "distribuição das riquezas".

3) Em seu método de investigação, parte do factual, isto é, centrado na dimensão empírica do fenômeno, no que ele "é", e não no que "deveria ser", isto é, em uma dimensão normativa. Durkheim (1994) inventou as noções de juízo de fato e juízo de valor para dar conta dessa diferença que nota-se em Proudhon.

Refletindo a partir desses extratos de Sistema das contradições, contidos na postagem acima, pode-se concluir que para o Proudhon de 1846, a) o estudo racional, sistemático e factual da b) organização do trabalho e da distribuição de riquezas, fenômenos de ordem humanitária, c) configuram a economia política como ciência social. 

Raphael Cruz


Referências

DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins fontes, 1977.

DURKHEUM, Émile. Filosofia e sociologia. São Paulo: Ícone, 1994.

MARTINEAU, Harriet. Como observar: morais e costumes. Governador Valadares: Editora Fernanda H. C. Alcântara, 2021.

PROUDHON, Pierre-Joseph. Sistema das contradições econômicas, ou, Filosofia da miséria, tomo 1. Tradução de J. C. Morel (Coleção fundamentos de filosofia). São Paulo: Ícone, 2003.

Observação: texto revisado em 24 de janeiro de 2023.

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