Mary Douglas e a outra origem do estruturalismo


Mary Douglas (1921-2007)


Qualquer estudante de ciências sociais esbarrou com a palavra estruturalismo durante sua formação acadêmica.

É muito provável que esse estudante lembre-se que a palavra estava associada há pelo menos duas outras: linguística e antropologia. 

A narrativa mais recorrente nos anos de formação é a seguinte: 

A antropologia estrutural foi inaugurada por Lévi-Strauss ao "aplicar" a abordagem de Saussure ao estudo dos mitos e do parentesco.

Que abordagem seria essa?

A de que a língua é um sistema em que um elemento se define pela relação com os demais.

Nesse sentido, a letra se define em relação a outras letras e, assim, formam uma palavra. A palavra se define em relação a outras palavras, formando uma frase. A frase se define em relação a outras frases, dando forma a um texto.

A ideia principal é a de sistema. Este é formado por elementos que se relacionam entre si. Eles formam um "todo" 

O ganho epistemológico disso é que nenhum objeto pode ser devidamente entendido por si, mas em relação a outros objetos. 

A antropóloga Mary Douglas entende que a aplicação dessa abordagem à sociedade não foi inaugurado pelo etnólogo americanista Lévi-Strauss, mas pelo antropólogo africanista Evans-Pritchard.

Douglas ainda afirma que a origem do estruturalismo não estaria na linguística, mas na psicologia da gestalt. 

Lendo os agradecimentos que ela escreveu em seu livro Pureza e Perigo (1966), encontrei sua própria narrativa da origem e invenção da antropologia estrutural. 

Assim escreveu a autora:

"A abordagem estrutural tem sido amplamente disseminada desde as primeiras décadas deste século, particularmente através da influência da psicologia da Gestalt. Somente teve um impacto direto em mim através do professor Evans-Pritchard em sua análise do sistema político dos Nuers (1940)" (Douglas, [1966], 2014, p. 8).

Mais adiante, ela continua:

"(...) Evans Pritchard viu que ele poderia fazer uma análise política de um sistema que não tivesse órgãos centrais de governo, e onde o peso da autoridade e as tensões do funcionamento político estivessem dispersas por toda estrutura do corpo político (Ibid.)".

E finaliza:

"Assim, a análise estrutural estava no ar da Antropologia antes de Lévi-Strauss ser estimulado pela Linguística Estrutural a aplicá-la ao parentesco e mitologia" (Ibid).

É interessante ouvir outro ponto de vista sobre uma narrativa tão comum nas ciências sociais como a da origem da abordagem estrutural. 

No entanto, Douglas (1966) não desenvolve seu argumento sobre a origem gestaltiana do estruturalismo, algo que eu gostaria de ter lido. 

Outro ponto é que a autora não está equivocada ao associar estrutura e sistema, contudo ao reduzir a primeira ao segundo, talvez, a origem desse "sistemismo" não estivesse em Pritchard nem Lévi-Strauss, mas no velho Durkheim. 

Raphael Cruz


Referência

DOUGLAS, Mary. Pureza e perigo [1966]. São Paulo: Perspectiva, 2014.

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