Hegel, anarquismo e teoria do reconhecimento
Hegel (1770-1831) |
Foi na Realphilosophie de Jena (1804/05) que o jovem Hegel sistematizou sua discussão sobre reconhecimento.
O reconhecimento referia-se a percepção de si no mundo a partir do outro.
Isso levou o filósofo ao tema da intersubjetividade na produção da identidade.
De modo que, o desenvolvimento da identidade pessoal foi compreendida como indissociável do reconhecimento por outros sujeitos.
Ainda no século XIX, a ideia de reconhecimento foi acionada por anarquistas históricos como Proudhon e Bakunin.
Contudo, ela não foi explicitamente trabalhada por eles ou pela maioria de seus comentadores.
Ao reler O que é a propriedade ([1865] 1975), encontrei na definição de justiça de Proudhon, um tanto de teoria do reconhecimento.
A certa altura desta obra, Proudhon definirá justiça como o "reconhecimento de uma personalidade igual à nossa em outrem" (1975, p. 201).
Hall (1970) notou que naquela obra, para Proudhon justiça implica igualdade entre os sujeitos.
Em escritos posteriores, o autor afirmou a justiça como reciprocidade (Hall, 1070).
Apesar do eco hegeliano, o único momento em que o filósofo francês cita Hegel em O que é a propriedade é ao mencionar seu método dialético tripartido na discussão sobre as formas sociais (propriedade, comunidade e liberdade) (Proudhon, 1975, p. 224).
Hegel parece não ter sido um ponto de partida explicitado para as definições proudhonianas de justiça enquanto reconhecimento.
Apesar disso, há de destacar que Hegel, e também Kant, foram influências decisivas para Proudhon (Hall, 1970).
Mikhail Bakunin foi outro anarquista influenciado por Hegel (McLaughlin, 2002).
Jon Stewart chamou atenção para a presença da filosofia do reconhecimento no pensamento de Bakunin.
Para aquele autor, a teoria bakuniniana da liberdade está ancorada na perspectiva hegeliana do reconhecimento.
"I am not myself free or human until I recognize the freedom and humanity of all my fellowmen" (Bakunin apud Stewart, 2021, p. 243).
Já havia mencionado neste blog como a concepção de Bakunin da liberdade é social e não atomista.
Debatendo o liberalismo (Locke) e os contratualistas (Rousseau), ele concluiu que a condição para a liberdade do sujeito é a liberdade de todos os sujeitos.
Sendo a liberdade realizada por meio das igualdades política e econômica.
Em Bakunin, o reconhecimento hegeliano e a igualdade proudhoniana são bases para elaborar sua teoria da liberdade.
Pode-se concluir que o eco hegeliano da teoria do reconhecimento é audível nas elaborações de justiça e liberdade do anarquismo histórico de Proudhon e Bakunin.
São bem-vindas pesquisas sobre a presença da teoria do reconhecimento nestes pensadores para melhor conhecer a herança hegeliana do anarquismo.
Raphael Cruz
Referências
HALL, Constance Margaret. The Sociology of Pierre Joseph Proudhon (1809-1865). American University, 1970.
MCLAUGHLIN, Paul. Mikhail Bakunin: The philosophical basis of his theory of anarchism. Algora Publishing, 2002.
PROUDHON, Pierre-Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975.
STEWART, Jon. Hegel’s Century: Alienation and Recognition in a Time of Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.
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