Bourdieu e a oficina sociológica
Pierre Bourdieu (1930-2002) |
Em Introdução a uma sociologia reflexiva, Bourdieu reflete sobre o ofício de sociólogo e opta pela imagem da oficina ao invés da imagem do laboratório.
A oficina está ligada a noção de ofício e com o mundo do artesanal. A oficina é o locus da ação, lugar do processo de criação.
Concentremo-nos na relação entre a oficina e a loja como metáforas da exposição das nossas pesquisas.
Na loja, os objetos estão expostos, prontos e acabados, fechados. Na oficina, o objeto está em processo de feitura, inacabado, aberto.
Oficina é devir. Loja é ponto de chegada. Oficina é lugar de reflexão. Loja é lugar de apreciação.
É na oficina que se fazem os esboços. Na loja é onde se ocultam os esboços.
Não é somente a imagem, mas o processo criativo da oficina que interessa a Bourdieu ao aconselhar os seus leitores exporem os seus objetos inacabados, abertos, esboçados.
“O homo academicus gosta do acabado” (2012, p. 19), ele é a alma e o corpo da loja, já na oficina se tecem outros agenciamentos mais próximos, talvez, de um homo ludens.
Bourdieu sugere um "como fazer", que aprendeu ao longo dos anos de pesquisa e pretende comunicá-lo aos jovens sociólogos, mas guardando distância de um certo espírito professoral e teorético, a maneira de Talcott Parsons.
Bourdieu partilha orientações práticas na forma de "dicas" e "macetes" de como apresentar e construir o objeto, de como encarar os erros, sugerindo rir deles de forma coletiva, não em tom de chacota, mas como velhos amigos rindo das presepadas do passado (BOURDIEU, 2012, p. 18-19).
É por esse caminho que ele realiza a sua “palestra-oficina”.
Bourdieu aconselha a apresentação leve e sucinta do tema de trabalho, sem ser defensivo e fechado, como um objeto exposto na loja, mas simples e modesto, como um objeto em construção na oficina, objeto que se encontra sob intervenção de diversas técnicas e instrumentos, e busca os mais adequados.
O que interessa, nesse momento, é o barulho criativa da oficina, onde são feitos esboços e se ouvem marteladas, e não o silêncio contemplativo da loja.
A oficina está impregnada do cheiro de suor dos corpos em ação e não do perfume do corpo banhado e bem-vestido que visita à loja.
É nesse processo de busca dos mais adequados instrumentos e técnicas de construção que se revelam as dificuldades e “nada mais universalizável do que as dificuldades”, lembra Bourdieu (2012, p. 18).
As dificuldades podem revelar as emoções e sentimentos envolvidos na construção do objeto.
Mesmo a pesquisa sendo uma atividade racional, ela tem “o efeito de aumentar o temor e a angústia” (2012, p. 18).
Assim, a partir de Bourdieu, pode-se dizer que a pesquisa é racional, mas também emocional, ela envolve cálculos de maximização de investimentos, construção e desconstrução de afetos, se é que isso é possível.
Raphael Cruz
Referências
BOURDIEU, Pierre. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Braz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
Observação: esta postagem foi revisada em 20 de outubro de 2022.
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